O geral e o específico



O geral e o específico

Ontem o profissional era especializado. Pós, PHD, carreira até aposentadoria. Enquanto isso, a diversão massificada trazia novela, futebol, filme para todos o gosto. Sim, todos de um gosto só. Não apenas eram poucas as opções de entretenimento (entre milhares de livros e um punhado de canais de TV, mas isso é outro assunto) de massa, mas a massa rodava com assuntos em comum, comentários do filme de ontem no trabalho amanhã e o futebol nos pontos de ônibus. Hoje com tanto acesso e pontos de contato, onde o profissional se tornou menos específico e até o motorista de ônibus ri com piadas recebidas no whatsapp a cada semáforo – e os comentários podem ser já, no facebook, deixando espaço para outro assunto amanhã no bebedouro – acarretou que seu entretenimento se tornou mais especializado, adaptando-se ao indivíduo e seus gostos pessoais.

Algumas coisas, contudo, continuam as mesmas. A alta qualidade ajuda a ditar a massa, que sempre irá existir. O último hit do cinema jamais será superado por um único canal do youtube da mesma forma como o mesmo filme já não mais consegue superar a soma de todos os canais do youtube. A conta agora é outra.

E por conta, podemos visualizar no histograma abaixo que quanto mais ampla for a abordagem em um mundo de entretenimento limitado maior a quantidade de pessoas que seriam atraídas.

Se tivéssemos que optar, provavelmente os itens E, F e G seriam um programa de sucesso. Se pudermos ir de A a L, então, melhor ainda.

Só que não.

Vamos inverter esse mesmo gráfico no tempo de um programa (de forma ilustrativa, desprezando público que gosta de mais de um item bem como rejeição a conteúdo), usando os mesmos números do exemplo para construir uma escala porcentual.

Agora F, que era nosso maior público, passa 79% do programa esperando pelos 21% que o interessam. Com a evasão causada, mesmo abrindo o leque de atratividade pode-se perder público, por exemplo no histograma abaixo temos o cenário 1, de E a G, com 30 pontos, enquanto o cenário 2 que abrange de C a I em busca de mais público, devido as perdas, termina com uma somatória menor (28 pontos) após acréscimo de esforços e perda de foco.

O histograma que antes tentava abordar a parte mais ampla possível, hoje perde relevância conforme se afasta de interesses específicos do público. Incorre-se no erro de, não conseguindo agradar todo mundo, não se agrada ninguém.

 

Análise do comportamento, escassez e saciedade.

O segundo ponto a se considerar recai dentro da analise do comportamento. A pessoa busca fazer algo por um de dois motivos: recompensa ou evitar punição. Isso pode vir de várias formas, e são calculados internamente por cada pessoa de acordo com seus próprios parâmetros – nem todos racionais ou lógicos.

Mas uma coisa que é comum em qualquer situação é a ponderação causada por escassez e saciedade de determinada recompensa. De um modo estranhamente capitalista para um órgão meramente biológico, o cérebro atribui maior valor a uma recompensa rara do que daria a mesma caso ocorresse em abundância.

Vemos isso nitidamente a qualquer momento, da mesa de jantar à escolha da próxima viagem, a forma como gostamos mais daquela roupa que virou pijama e não vale nada, mas é unicamente confortável e não nos importamos com os furos que já ostenta. Quando aquele amigo pede trazer de New York uma cherry coke (iPhones seriam mais fáceis, eles não vazam na mala). Ou nem precisamos viajar tão longe: o paulistano valoriza mais a praia que o santista.

E isso tem menos relação com querer o que não pode ter e mais com o simples fato que os répteis que viveram mais tempo são os que perceberam que quando o frango pousa sozinho na boca aberta não deve ser desperdiçado – oportunidades tem valor.

Quando trazemos um produto ou uma história para perto do público estamos dando verossimilhança, dando algo que ele instantaneamente reconhece e compreende. Mas ao mesmo tempo estamos dando zero de diferença, nada novo, a mesma coisa de sempre, e fica sem graça muito mais rapidamente.

 

You’re a wizard, Harry

Até onde é preciso se desligar da realidade para contar boas histórias? Bruxos, vampiros e super-heróis estão no topo das últimas duas décadas, mas isso não tirou o espaço das histórias do dia a dia. A diferença é que fica muito mais fácil ver a discrepância da realidade no último hit da Marvel que na Avenida Brasil.

A beleza de Avenida Brasil foi que, por mais real que fosse, sua história não era facilmente reproduzida no mundo real. Bebês abandonados no lixão em busca de vingança são muito mais raros que políticos corruptos.

Todos já passamos em algum momento da vida por um hospital, e nem assim sabemos quem era o diretor ou menos ainda o dono do lugar. Uma história que gire em torno deste protagonista poderia rodar em torno de qualquer outro personagem com dinheiro. O mesmo não pode ser dito do rico que se fez sobre o sangue do garimpeiro. Essas discrepâncias pontuais da realidade tornam o romance em algo maior, mais fantástico, colocam o tempero e “gourmetizam” o roteiro.

 

E o que isso tem a ver com a propaganda.

A publicidade descobriu há algum tempo o poder do storytelling, mas na verdade qualquer imagem em si é um storytelling sem precisar de uma história por trás, da mesma forma que quaisquer duas crianças brincando de mocinho e bandido apontando o dedo um ao outro estão brincando de RPG sem livros ou dados.

Isso porque existe uma história implícita em cada foto, porque quando o consumidor vê a propaganda de internet banking com duas senhoras de idade rindo com um celular na mão ele já cria na cabeça toda a circunstância que permite a aquilo ocorrer, sem necessidade de nomes de personagens, roteiro, bastando aquele um frame. E o mesmo programa de TV no qual estão inseridos os 15 segundos de propaganda, é em si uma propaganda vendendo sua própria história – seja filme, novela ou um bom jogo.

Um dos desafios está em casar a mensagem que a peça quer passar com a mensagem que o consumidor entende ao ser abordado. O outro, é prender sua atenção por tempo suficiente para que isso aconteça.

Estamos entrando na era da especificidade. Assim como seu conteúdo, as pessoas esperam personalização nas mensagens, ainda que massificada, mas uma forma mais refinada que um simples merge de mala direta. Nesta história que ele mesmo vai contar para si, na cabeça dele, sobre a peça publicitária que ele acaba de ver, ele precisa sentir alguma proximidade ou aquela história será prontamente descartada em favor das milhares de outras a sua frente.

E para isso, seja um elemento fantástico, uma mudança de perspectiva, ou simplesmente tirar a história do lugar comum, enquanto mantém a verossimilhança necessária para que o consumidor se veja como parte daquele mesmo mundo, já da aquele ganho extra que os roteiristas de novela tem perdido o sono para achar. Estamos vivendo nas cenas dos próximos capítulos.