A Teoria do Meio.
A Teoria do Meio.
O que a falta d´água tem em comum com a ligação que caiu?
Tudo. Para entender isso, basta ver como o brasileiro se comporta.
Liguei na Vivo para falar da internet que caiu. Dei o CPF e disse logo de cara “tenho duas contas, verifique por favor a do endereço tal”. Ok. Dez cansativos minutos depois debatendo a ausência ou não de sinal, perguntei o número de telefone associado a conta que ele analisava.
Lógico que era o errado. Todo aquele esforço, o tempo, reinicia, reseta, reboota, e o suporte estava olhando a conta errada porque, por definição, qualquer coisa que você fala ao suporte serve apenas para ser ignorada.
Mas isso é novidade? Também não. É o esperado. Piadas já foram feitas sobre o assunto, e reclamações sem fim internet adentro. E é justamente o fato disso ser comum que chama a atenção. Porque quando algo vira comum, vira o esperado, é porque já é parte da cultura.
É parte da cultura do brasileiro, ou pelo menos dos suportes telefônicos, fazer as coisas ignorando o que a pessoa envolvida no problema está dizendo, ou seja, ignorando a realidade da coisa. Mas não começa por este pobre operador, que foi trabalhar de manhã num trem abarrotado de gente e depois tomou um ônibus de manutenção duvidosa e um motorista que não parava no ponto. Porque o motorista também já virou piada (trinta anos atrás). É sistêmico
Ontem o encanador do condomínio trocava uma torneira e comentou com o porteiro que, como acabou seu veda-rosca, tinha usado pouco. Ao invés de andar uma quadra até a loja mais próxima e voltar, tinha que ir na loja de celular porque “comeram” os créditos dele, perdeu uma hora do seu dia discutindo com a operadora a toa enquanto vinha no ônibus – aquele mesmo de janelas soltas e porta que não fecha direito – e se houvesse vazamento não tinha problema porque no dia seguinte ele estaria de volta, “é só por um pano embaixo”, terminou.
Ele faz um serviço meia boca porque, aonde quer que vá, recebe serviço meia boca.
E não é uma questão de discutir se o homem é ou não produto do meio. Perdemos também tanto tempo com isso que esquecemos da máxima irrefutável que o meio é produto do homem. Brasileiros é que fazem o Brasil.
Lembrando que perdemos quatro vezes mais água em desperdício do que usamos de fato, nota-se que o meia boca é o padrão. O meia boca é a norma.
E se do governo sai algo meia boca? Não é só o eleito quem fez. Existem milhares de funcionários públicos (outro clichê) fazendo o meia boca por ai. E outros milhares de privados também, como nosso amigo operador de suporte.
E com o passar do tempo, o brasileiro já se acostumou a dar um jeito, dar um tapa na coisa, empurra que pega no tranco. Somos mestres do nosso jeitinho.
Mas meia-coisa não é coisa nenhuma. Meia coisa é esforço jogado fora porque meio avião não voa e meia canoa não bóia. Porque o tempo que se gasta remendando hoje é gasto amanhã remendando de novo, e com isso já poderíamos ter feito dois inteiros. Chegamos ao ponto de esperar que as coisas sejam feitas pela metade, que o pronto ainda tenha uma parte faltando, que a obra seja inaugurada antes do fim, que a proposta de campanha seja menos que compromisso, que o “tipo exportação” tenha melhor qualidade.
Mil anos atrás não havia Brasil. Nem a Itália era a Itália ainda, nem a fronteira entre a França e Espanha era como hoje. As coisas mudam, países mudam, e mil anos é muito tempo. Pergunto-me se daqui a mais mil os historiadores apontarão nosso país no mapa e ensinarão aos alunos “aqui ficava um país chamado Brasil que, por não fazer nada, simplesmente se desfez”. Trabalhamos para que não.